É hora de erguer os novos alicerces da paz perpétua

Os Pactos Militares nunca garantiram a segurança e a paz

Publicado: 2022-05-25 16:39:38

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Como ficará o mundo depois da guerra da Ucrânia e da sua escalada? Os  decisores políticos da OTAN (NATO) e da União Europeia agem como se a solução política da guerra nada tivesse a ver com as suas causas complexas e a escalada militarista e de sanções constituísse um fim em si mesma. Devíamos e deveriam eles ouvir mais os militares, que estudam as ciências da guerra, para conquistar a paz justa e duradoura. Se assim não for, a guerra voltará mais violenta! Já o escreveu antes o filósofo Emmanuel Kant, invocando a razão da sua Paz Perpétua!

E antes dele, Sun Tzu: “A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar.”

Hoje, responde-lhes  (o Major) Mário Tomé, “capitão” da Revolução dos Cravos, que à guerra colonial foi:  “Se queres a paz, prepara a paz”!

Mas é outro o grito que varre o ocidente e o leste: Si vis pacem, para bellum! Se queres a paz, prepara-te para  a guerra! Assim proclamam os impérios, há mais de dois mil anos.

O discurso de Putin no Senado, para obter a sua autorização constitucional para usar o exército russo fora das fronteiras, foi feito em nome da defesa das Repúblicas Populares do Donbass contra a escalada iminente da guerra civil na Ucrânia e a sua militarização pela NATO, que depois do golpe de estado de 2014 e até 2021 causou 14.000 mortos e mais de 30.000 feridos, segundo a ONU, 2/3 dos quais ucranianos de nacionalidade russa, que viram as suas províncias ocupadas em mais de metade do território pelo exército e  a guarda nacional ucranianos (onde pontificam regimentos neonazis autónomos) e a sua língua proibida em rodo o país.

Mas desde o primeiro dia, a invasão assumiu um carater imperialista e anticomunista,  o discurso político de Putin dirigiu-se igualmente contra a herança política da URSS e do PCUS, acusando-os de amputar o império czarista do território do Donbass e de entregar à Ucrânia algumas das principais regiões industriais da Rússia. Nesta ambição imperialista/czarista, reside a  sua maior fraqueza política. A ocupação da Ucrânia, não está, ao seu alcance, não tem o apoio dos povos da Rússia, os únicos que possuem o poder de o derrotar e ao seu partido.

O pedido de adesão da Finlândia e da Suécia à NATO

A guerra na Ucrânia levou os líderes destes países neutrais a procurar a adesão à NATO.

A NATO não é uma organização democrática. Nem sequer constitui uma instituição de cooperação entre pares. O governo dos EUA decide da guerra e da paz. ´

A sua história, mesmo depois da queda da URSS, é feita de guerras, travadas em nome da democracia, da segurança ou da paz, a partir de falsas informações e encenações políticas, com trágicas consequências para os países agredidos e ocupados, mas também para o mundo: o terrorismo globalizou-se, atingiu a Europa e expandiu-se em África. Mais de um milhão de mortos enlutaram esses países, 30 milhões de refugiados (50 milhões de deslocados) abandonaram o Afeganistão, o Iraque, a Síria, a Líbia, procurando asilo nos países vizinhos, algumas centenas de milhar marcharam para as fronteiras da União Europeia… A NATO levou a guerra à Jugoslávia, que foi bombardeada e desmembrada. E à Geórgia, dividida e separada pela guerra civil. O governo de Trump apoiou abertamente o Brexit, que retirou da UE o maior exército europeu e a ascensão de partidos autoritários dentro do espaço comunitário.

Estes problemas não desapareceram com a invasão da Ucrânia, constituem uma das causas que estiveram na origem da guerra civil que a antecedeu. Caraterizemos  sumariamente a representatividade dos principais protagonistas políticos: o partido de Putin, já não representa a maioria dos seus concidadãos (apenas 25% dos eleitores, nas eleições de 2021), tal como o partido de Biden, não representa a maioria do povo americano (30% dos eleitores, nas presidenciais de 2021) nem o partido de Zelensky, a maioria dos ucranianos (menos de 24%, nas eleições de 2019).

Os governos da Finlândia e da Suécia, afirmam que a NATO lhes assegura a segurança e protege a Europa, contra a ameaça russa, e confiam no poderio militar dos EUA e nas suas armas nucleares estacionadas na Alemanha e na Itália, como dissuasoras.

Os governos destes países não têm acesso a estas armas. A manipulação do poder nuclear, os códigos do apocalipse, estão nas mãos do Pentágono, que guarda esse segredo. Os países que as acolhem são plataformas de lançamento próximo, e por isso, alvos marcados.

O cerco militar à Rússia e à China alargou-se e  está a ficar mais apertado. Mas a Europa,  a Austrália e o Japão, são apenas plataformas de lançamento. Se o mundo chegar à beira do confronto nuclear, os EUA decidirão quando e onde soará a hora do Armagedão. E a NATO confirmará a sua inutilidade para a paz.

Se o estado e a nação russos ficarem em risco de implodir, os seus lideres usarão todo o arsenal de que dispõem, segundo a sua doutrina militar, aplicando o princípio do direito de retaliação defensiva e de “desescalada” nuclear, isto é, de conter a guerra no domínio das armas nucleares táticas. Mas como conter um confronto nuclear, nestes limites? Ninguém sabe. Contudo, é para este desenlace que a escalada da guerra económica e o prolongamento da guerra na Ucrânia nos conduzem.

Dez países da  União Europeia venderam mais de 340 milhões de armamento à Rússia durante a Guerra Civil (2014-2021) e a Rússia foi o segundo maior cliente da indústria de guerra da Ucrânia neste mesmo período.

Hoje, a ajuda em armamento da UE é afinal financiamento,  com empréstimos a pagar! Num valor muito superior ao da ajuda humanitária! Com que juros? Os cidadãos europeus não foram informamos do negócio.

No que respeita aos EUA, o seu governo assume que retira as armas da sua reserva estratégica e paga às 5 maiores empresas americanas do setor para as restabelecer, omitindo se existem contrapartidas.

Quando a presidente da Comissão Europeia, proclama que a sua política vai realizar o objetivo do governo americano de destituir o governo de Putin, através do rearmamento da Ucrânia e a escalada de sanções e irá ainda mais longe, pois é certo que o Estado Russo vai falir (sic), esta, não é uma declaração de guerra total?

A extrema-direita, nos EUA, tomou o partido republicano e o partido democrático parece não ter forças para ganhar o apoio do seu povo para uma nova política democrática e progressista.

O futuro da NATO é incerto, sobretudo se o partido republicano vencer as próximas eleições. Na melhor das hipóteses, ela seguirá a estratégia que os EUA lhe ditarem. É o próprio governo dos EUA quem procura criar novos pactos militares, sem a consultar: O pacto Aukus, na região do Indo-Pacífico, envolvendo a Austrália, o Reino Unido e os EUA, permitirá que aquele país construa submarinos de propulsão nuclear, a partir de tecnologia americana, ameaçando a paz e a cooperação pacífica regional.

Que demonstra este quadro político e ideológico, contraditório e absurdo: que não existe na Europa e no mundo uma arquitetura institucional que garanta a segurança e a paz.

A escalada da guerra económica, como arma comum da UE e da NATO

Esta sobreposição política retirou à UE a sua imagem de instituição pacífica.

Mas não é a Comissão Europeia que elabora a estratégia de escalada. O Grupo de Trabalho Internacional sobre Sanções Russas, o chamado Grupo McFaul-Yermak, vem elaborando o plano de ação e as medidas de escalada contra a Rússia., entretanto apresentadas  aos embaixadores do G7 e a uma conferência de 200 jornalistas e especialistas em Stanford Square: extremar sanções, o reconhecimento da Rússia como patrocinadora do terrorismo e um pacote de bloqueio total  ao setor bancário.

É coordenado pelo chefe do Gabinete do Presidente Ucraniano Andriy Yermak e liderado pelo diplomata americano Michael McFaul.

Não encontramos uma única proposta para promover um cessar-fogo geral, de solução política para a guerra e para uma paz justa e duradoura.

McFaul foi o embaixador dos EUA na Rússia, entre 2012 e 2014, sob a presidência de Obama. Representa o governo dos EUA.

Paralelamente, e enquanto é demitido o comandante das Forças de Defesa Territorial, o anúncio de novas e maiores vitórias militares ucranianas, constitui agora o derradeiro argumento para prolongar a guerra.

Ao contrário, nunca foi tão urgente o cessar-fogo: para poupar vidas e sofrimento, porque um terço da capacidade produtiva ucraniana está destruída e os seus portos bloqueados, o ricochete dessas sanções já fez baixar a previsão de crescimento da UE de 4% para 2,7%…a inflação global sobe acima dos 9,2% e nos próprios EUA anuncia-se o risco crescente de recessão, alimentos e bens essenciais escasseiam nos países menos desenvolvidos…

Nem o BCE nem o FED foram consultados sobre a escalada das sanções financeiras, sobre a apropriação dos fundos soberanos do estado russo e o descartar das obrigações da dívida dos EUA face à Rússia. Estavam contra a subversão do sistema financeiro.

Enfim, a promessa de adesão à UE, atirada para as calendas!… A adesão à NATO esquecida e ucranianos e russos condenados a sangrar em favor dos ganhos geoestratégicos da NATO e dos EUA. Que ganha a Ucrânia com o prolongamento da guerra e o alargamento da NATO?

As doutrinas intervencionistas e o seu suporte político-ideológico nos EUA

Aparentemente, já existe outro vencedor: Segundo as doutrinas de Mackinder. e Spykman, que alargaram à Eurásia a ambição imperial da doutrina Monroe, de domínio do continente americano, o controlo político e militar da Eurásia, assente numa aliança entre a Alemanha e a Rússia, representaria o domínio dos seus recursos demográficos e naturais capaz de disputar a hegemonia aos EUA.

Segundo Spykman, o imperativo estratégico americano deveria assentar numa política externa intervencionista, para que tal nunca viesse a suceder. E assim foi, desde há cem anos.

Kennan, Spykman, Brzezinski, desenvolveram então a teoria dos pivôs geopolíticos. Controlar a Ucrânia, a Geórgia ou a Bielorrússia, permitiria isolar a Rússia e reduzi-la ao estatuto de país menor.

Neste quadro político, a União Europeia não pode enfrentar a crise ambiental e as suas crises pandémicas, a concorrência dos EUA ou da China, o terrorismo, garantir a sua segurança e a paz, senão a partir de um balanço crítico do Federalismo Monetário e Burocrático dominante e da abertura do debate sobre a alternativa do Federalismo Democrático e a segurança e  defesa conjunta da Europa.

A Iniciativa de Segurança Global, para a Paz  e o princípio da segurança indivisível

O presidente Xi Jinping, propôs à Conferência Anual do Fórum Boao para a Ásia de 21.04.2022 a Iniciativa de Segurança Global, para a Paz. O seu princípio fundamental e inovador é “o princípio da segurança indivisível”, que rejeita o caminho da construção da segurança própria  à custa da segurança dos outros, conceito estratégico que levou à criação da NATO e do Pacto de Varsóvia, e à escalada da Guerra Fria.

Este princípio está em linha com os princípios da Carta da ONU e as preocupações legítimas de segurança de todos os países, está comprometido com o respeito pela soberania e a integridade territorial de todos os países, defende a não ingerência nos seus assuntos internos e respeita os diferentes regimes políticos e sociais  escolhidos pela história dos seus povos

Tal significa, na sua aplicação, resolver pacificamente as disputas entre os países por meio do diálogo e da consulta, a solução pacífica das crises, banir a arbitrariedade das sanções impostas pelos mais fortes e  desenvolver consensualmente o direito internacional.

Esta nova arquitetura, para a paz perpétua, pode ser construída a partir das Nações Unidas e acompanhada pelo desmantelamento progressivo dos pactos militares e pela redução e destruição progressiva das armas de destruição massiva, nucleares, químicas, biológicas, digitais…

Estamos perante  a oportunidade e a necessidade histórica dos países de todo o mundo fazerem das Nações Unidas o único árbitro da guerra e da paz.

 

Lisboa, 19.05.2022

 

António dos Santos Queirós